quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Como desapegar sem sofrimento



              Confesso sem constrangimento algum não ter a fórmula exata para desvendar tal mistério. Estou diante do notebook, (E se eu dissesse que estamos novamente com queda de energia elétrica, você acreditaria? Nem eu consigo crer no que vejo, aliás no que não vejo! Essa constante, oscilante e estressante falta de luz, esgotaria até a paciência do Dalai Lama, se morasse ele na região noroeste do RS.) Mas... vamos adiante, tentado buscar no encantamento das palavras soluções mágicas para nossas crises existenciais ou pelo menos... paliativamente (algo genérico) que se passe por tal!
              Pra começar deixa falar daquele comercial engraçado, que circula na tv aberta e que numa jogada de marketing impactante e altamente elucidativa, tenta nos ensinar numa linguagem deslocada (desbocada inclusive) a “maneira” de se livrar daquilo que não precisamos mais, não nos faz falta, não nos complementa, passando de móveis antigos a namoradas (os) descartáveis. Num primeiro momento nossa mente fixa o objetivo imprescindível de nos fazer revisar o que não nos interessa mais, como eu disse, não nos complementa, para evitar acúmulos. E nesses tempos de reciclar, reutilizar e reaproveitar, tudo se encaixa na perfeição contra o hábito do desperdício de coisas. Só que numa bela manhã de quarta (pode ser segunda, também pode ser domingo), você acorda disposto a rever essas caixas, recortes, pacotes estocados em cima do guarda-roupa (ou dentro dele) e outros papéis escondidos (ou meio perdidos) em gavetas sentimentais da sua existência. E sem querer criar o maior estardalhaço, celeuma ou crise conjugal, sorrateiramente espera ficar sozinho, sem ninguém da família por perto, espera até “o totozinho tirar sua sesta mexicana da tarde de sábado” e decide desapegar sem sofrimento do seu passado nem tão distante assim...
               Parece fácil, necessário, imprescindível. No comercial de televisão é um “pluf” de “o,o,o,o segundos” e fazendo as contas, nesses anos que se passaram, você cresceu, estudou, se especializou em determinada área, viajou, conheceu centenas de pessoas e lugares, amou e desamou, traiu e foi traído, fez suas mancadas, consertou a maioria das suas lambanças e desistiu de vários projetos, também concretizou outros tantos. Casou, descasou, teve 1, 2, 5 ou nenhum número de filhos, casou de novo. Comprou a casa própria, vendeu, alugou, se mudou. Trocou de moto, de carro, de emprego, de cidade, talvez até de religião, com certeza de partido político! Entretanto, e eu tenho plena convicção disso: só não trocou de time de futebol, nem abandonou um desejo secreto que pretendia realizar ainda antes de bater as botas. Um sonho secreto, que de tão secreto, nem eu, nem você podemos falar dele agora. (Pra mim, pra ti, pro nosso melhor amigo, nem pra quem dorme a noite ao nosso lado, pra ninguém, ninguém, ninguém.)
              Então você se dá conta que o parecia fácil não é nadinha do que parecia ser. Se dá conta, que naquele móvel antigo, naquela vitrola sem uso ou no relógio da sala, herança do seu bisavó, pedaços da sua história se encontram divididos, se entrelaçando na sua memória afetiva em noites de lua cheia ou quando toca no rádio aquela música, que (uau!) marcou (e como marcou!) momentos da inesquecível primeira grande paixão, e sabe se lá por que ele ou ela nunca saiu de dentro de você.
              Naqueles recortes, naquelas fotografias e cartas antigas, a emoção disfarçada de saudade, toma forma de nuvens coloridas e beija-flores cintilantes, flanando em notas musicais ao redor dos seus olhos. E vem uma vontade maluca de rir e chorar ao mesmo tempo, a soma das perdas e ganhos, das chegadas e partidas, de não saber realmente a fórmula exata (se é que existe) de como desvendar tamanho mistério, que é desapegar de si mesmo, sem sofrimentos... De seguir adiante... numa longa estrada ensolarada com a convicção de que pouco antes do seu (meu/nosso) “gran finale”, aquele último desejo/sonho/segredo/secreto será então... definitivamente revelado e realizado!

Régis Mubarak