quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Por que não hoje?



              Eis que o poeta lírico e filósofo de origem romana Quintus Horatius Flaccus (65 A.C. a 8 A.C.), ou simplesmente “Horácio” ainda que destacasse em suas obras enfaticamente o “carpe diem” aproveitar o presente e o “fugere urbem” a busca pela tranquilidade, nos deixou como sábio conselho (cujo prazo é indefinidamente válido para os séculos dos séculos), talvez baseado no profundo conhecimento de causa, já que era filho de um escravo liberto a seguinte sentença: (...) “A adversidade desperta em nós capacidades que, em circunstâncias favoráveis, teriam ficado adormecidas.”
              Por que não hoje? Vamos lá... fale consigo honestamente diante do espelho. Iniciar o famigerado regime. Sair do sedentarismo e comprar a bicicleta ergométrica pra colocar bem na frente da televisão. Começar finalmente estudar inglês. Ou russo. Ou Mandarim. Enfim... seria um defeito (qualidade é que não pode ser), essa característica ou algo que já veio registrado no nosso DNA, deixar para amanhã, segunda-feira ou ano que vem às mudanças necessárias, aquelas pendências, as coisinhas que rabiscamos como objetivos a serem alcançados, mas que são abandonados lá pelo meio de maio, bem antes de agosto, tão execrado como o mês do desgosto? (Não vou listar meus tropeços para não encher sua paciência, apenas ressalto serem quase uma dezena, que me envergonham e já me colocaram contra parede, fazendo com que além da balança da farmácia da esquina também minha consciência pesasse quilos além da conta! E como você, já esquematizei determinadas mudanças que não executei dentro do prazo ou pior: abandonei já nas primeiras dificuldades.) Recorro ao Jornal Correio do Povo desde a edição do dia 16 de outubro último nas reportagens tri bacanas de Carlos Corrêa e Fabrício Falkowski a cerca do Campeonato Mundial Master de Atletismo, para criar coragem (e juízo) e finalmente sair do “estado contagioso de preguiçite aguda.” Quem já leu deve ter curtido a energia que emana das páginas do periódico, mas para os que não estão a par eis a síntese: Desde 15.10 a capital dos gaúchos Porto Alegre, está sediando o XX Campeonato Mundial de Atletismo Master, reunindo algo em torno de 4 mil participantes entre 35 e 99 anos (uau!!!) representando mais de 80 países.
              A cada edição diária os guris de forma ultra-criativa e carinhosa descrevem as façanhas além de uma pequena biografia desses competidores, dos mais longínquos rincões, as profissões que desempenhavam, histórias encantadoras, (outras nem tanto, porque trazem feridas de guerras vivenciadas), como aderiram ao esporte e como vão se aventurando mundo afora pelo prazer da competição saudável e fazendo novos amigos. Uma delícia. E a tal moçada (tanto os guris como as gurias) atravessando a casa dos 70, 80, 90 cheios de vitalidade e gás para doar ao Gato Garfield e seus adicionados. (Me incluo na turma, tapada de remorso pelo rodízio de pizza de sexta passada... e a caixa de chocolates domingo à noite, assistindo pela décima vez o filme Thor, com a sensacional Natalie Portman e a revelação extraordinária Tom Hiddleston no papel do Lóki!)
              E parafraseando o cantor nativista Joca Martins... “é aí que me refiro!” Por que não hoje (só no meu caso amanhã né... agora são 23h33min da terça-feira enquanto escrevo o texto), dar o pontapé inicial rumo a essas imperceptíveis modificações do cotidiano visando alcançar melhor qualidade de vida? Não espere (citando Horácio), quaisquer adversidades lhe darem um susto para largar os pequenos vícios que com o passar dos anos causam um estrago danado. Mas não estou puxando sua orelha, não me leve a mal, estou sim confessando meus delitos. Li cada reportagem adorei todas, e falando honestamente com meu espelho, acreditem... ele insiste em refletir não a minha, mas a imagem fofíssima do Gato Garfield e... sem espaço nas laterais... Ops!!!

Régis Mubarak

Páginas em branco e uma trilha zen...



              Talvez por ser Outubro esse mês sacana, cheio de segundas intenções, quando o sol desaparece, se esconde e torna a resplandecer em toda sua majestade, intercalado a imprecisos períodos de chuvas rápidas e seus respingos casuais, que nos tornamos mais contemplativos e meditativos. (Tornamos-nos vírgula, melhor esclarecer aos amantes da poesia: há pessoas que intercalam doses extras de mau humor por quaisquer frivolidades ou puro egocentrismo, nada a fim de seguir por uma trilha zen... se é que você me entende, e nesses casos, Outubro passa totalmente despercebido e desperdiçado!)
              A australiana Bronnie Ware é a autora do livro “Antes de partir – Uma vida transformada pelo convívio com pessoas diante da morte” cujo título original é: The Top Five Regrets of the Dying - A Life Transformed by the Dearly Departing.” Confesso não ter lido o livro e ainda não tê-lo encaixado nas minhas próximas aquisições do semestre, (em virtude de outras dezenas esperando na fila), mas de tanto um amigo falar desse tal livro, fui atrás de informações. Eis que Bronnie é enfermeira (meu amigo idem, dai surgiu à afinidade, leu a obra e adorou) e obviamente depois de lidar com todo tipo de experiências relacionadas a pacientes terminais e doenças sem chances de cura, decidiu dedicar-se a escrita, compartilhada primeiramente num Blog. Não criarei suspense e digitarei abaixo os tais 5 pontos ou leiam-se arrependimentos, não necessariamente nesta ordem, listados por seus pacientes nos difíceis momentos da despedida:
 - Gostaria de ter tido coragem de expressar meus sentimentos,
- Gostaria de não ter trabalhado tanto,
- Gostaria de ter mantido contato com meus amigos,
- Gostaria de ter me deixado ser mais feliz,
- Gostaria de ter tido a coragem de viver a vida que eu quisesse, não a vida que os outros esperavam que eu vivesse...
              (Por respeito a sua privacidade não pedirei que me responda num e-mail amanhã de manhã onde se sentiu mais tocado... Vou sugerir deixar-se levar pela sonoridade sensual e vibrante de Howard Shore e Marc Ribot, de preferência “Departed Tango” e fechar os olhos, apreciando cada segundo dessa música e da sua existência.) E mesmo que pareça descabido vou citar Hannah Arendt (1906-1975) filósofa alemã (já escrevi artigo sobre ela em 2008: “Diferença entre os iguais”), quando diz (...) “o pensamento tenta atingir a profundidade, tocar as raízes e no momento que se ocupa do mal, se frustra porque não encontra nada.” E porque Hannah Arendt entrou no meio da nossa conversa? Porque recorro a ela quando leio que gente (?!?) como Rochus Misch (1917-2013) guarda-costas de Hitler atingiu a idade de 96 anos e Erich Priebke (1913-2013) oficial da SS um século de vida. O que favoreceu essas criaturas viverem tanto depois de terem participado como coadjuvantes de um dos capítulos mais repugnantes da história? A genética? A família que constituíram e os rodeava? Um sopro de divindade do mal? A falta de resquícios de arrependimento?
              E porque incluí esses dois sujeitos justo agora, você também deve estar se perguntando? Para afirmar o que você já sabe: todo dia páginas e páginas em branco podem ser reescritas e que se pessoas destrutivas estão se lixando para a minha e a sua existência e ainda assim, conseguiram atravessar um século de história, então salvo pacientes de doenças terminais, vítimas de violência urbana ou atrocidades em tempo de guerras, eu e você podemos achar nossa trilha zen em qualquer dia do mês de outubro... correndo atrás da “dona felicidade” (aliás, não coloque essa responsabilidade nos ombros de ninguém), essa “frágil sementinha...” só você pode plantar e deixar crescer!

Régis Mubarak