quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Sobre o Natal e Carlos Drummond de Andrade



              Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira (MG) no ano de 1902 e faleceu em 1987 no Rio de Janeiro (RJ). É considerado pela crítica especializada como o mais influente poeta brasileiro do século XX. (Ainda que haja controvérsias se comparado a outro poeta, o gaúcho Mário Quintana (1906-1994), de quem aliás era amigo.) Drummond, embora tenha desempenhado as funções de funcionário público ao longo de sua existência (inicialmente pretendia seguir carreira no ramo farmacêutico), escreveu belíssimas poesias, livros infantis, contos e crônicas, reunidos em dezenas de obras amplamente conhecidas do grande público. Eis que do livro “Cadeira de Balanço” do ano de 1972, divido com vocês trechos do brilhante texto intitulado “Organiza o Natal,” desejando a todos hoje e sempre, dias de muita benção, paz e reflexão!
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              (...) “Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom. Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor.” (...) “E o suprarrealismo, justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo.” (...) “Completado o ciclo histórico, os bens serão repartidos por si mesmos entre nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma. Não haverá mais cartas de cobrança, de descompostura nem de suicídio. O correio só transportará correspondência gentil, de preferência postais de Chagal.” (...) “A crítica de arte se dissolverá jovialmente, a menos que prefira tomar a forma de um sininho cristalino, a badalar sem erudição nem pretensão, celebrando o Advento. A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro.” (...) “Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz. O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor. Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível. A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã. O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive. E será Natal para sempre.” (...) “Ah! Seria ótimo se os sonhos do poeta se transformassem em realidade.”

Régis Mubarak